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Turismo da pobreza em Nairóbi, entre a consciência social e o espetáculo

19 set 2016 - 06h02
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Enquanto apressam seu capuccino em um das cafeterias mais conhecidas de Nairóbi, Jacq e Brigitte recebem as últimas instruções antes de começar a visita organizada a Kibera, uma das maiores favelas do mundo.

"Primeiro iremos a Toi Market, um mercado de roupas de segunda mão, e depois visitaremos vários projetos da comunidade. Podem tirar fotos sem problema", explica Leonard, um dos dois guias da Kibera Tours, uma modesta empresa local que se dedica a mostrar o bairro aos turistas.

O passeio começa com uma rápida caminhada através do mercado que, por sua vez, serve de entrada ao assentamento. Desde o primeiro momento, um cheiro que mistura peixe frito, fruta fresca, lixo em chamas e águas residuais inunda os sentidos do visitante, que sente no nariz os contrastes de um local desconhecido.

O turismo da pobreza é uma atividade controversa que, em países como Quênia e África do Sul, conseguiu certa popularidade porque permite realizar um passeio por um bairro de favelas - local pouco frequentado por estrangeiros devido à periculosidade - e conhecer as péssimas condições de vida dos locais.

No entanto, há uma linha muito tênue entre a conscientização social e o mero espetáculo que nem todo mundo respeita.

"Antes de vir, discutimos muito sobre como deveríamos nos comportar. Não se deve encarar como um safári", declarou à Agência Efe Laura, um belga de 27 anos que está em Nairóbi de férias.

Jacq e Brigitte, um casal de holandeses de meia idade, andam com curiosidade e viram a cabeça a cada loja, oficina ou casa que veem, todas desvencilhadas, com tetos de folha-de-flandres oxidada e rodeadas de lixo. De vez em quando tiram uma foto. Sem dúvida, uma imagem que demorarão a esquecer.

As empresas que oferecem estes tours sempre os vendem como uma "oportunidade única" para ver a outra face de Nairóbi ou a melhor maneira de "entender o panorama cultural, geográfico e político" de uma cidade na qual, segundo as Nações Unidas, dois terços da população vivem em bairros favelados.

Se estes discursos são fruto da boa intenção ou do desejo de fazer negócio - ou um pouco de ambos - é difícil saber, sobretudo quando, apesar de suas reiteradas explicações sobre o espírito de superação dos residentes, o guia conduz os clientes às lojas de lembranças ou a projetos que precisam de financiamento.

Um tanto estranhados por sua presença, e talvez conscientes de que sua presença dificilmente lhes reportará algum lucro, os locais preferem ignorar os visitantes e a maioria só interage com eles através do guia ou para chamar a atenção porque não querem aparecer em uma foto.

Raras vezes a hostilidade vai além de um olhar de desprezo ou de uma leve reprovação, apesar de alguns reconhecerem que não gostam de se sentir observados e nem parte de um espetáculo.

O preço da visita é 2.500 xelins (cerca de R$ 80), mais as gorjetas, além do táxi de volta para o hotel, já que o passeio termina nos escritórios da companhia turística, situados no meio do bairro e, portanto, longe da área de conforto do turista.

Apesar do ar abafado de meio-dia e da indiferença generalizada dos locais, os quatro turistas se mostram satisfeitos pela experiência e todos concordam em dizer que o impacto mudou a forma como percebem a pobreza.

"Se for feito com respeito e de uma forma honesta, ver como o povo vive em um bairro assim pode te tocar", comentou Bahari, uma dinamarquesa de origem iraniana, antes de desaparecer outra vez entre o emaranhado de casas para voltar ao hotel para apressar seus últimos dias de férias.

EFE   
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