PUBLICIDADE

Dispense o jipe e conheça os Lençóis Maranhenses a pé

Compartilhar

Fazia sete horas que caminhávamos sobre as dunas frescas do paraíso terrestre que são os Lençóis Maranhenses. Nosso destino era Queimada dos Britos, povoado construído ao redor de um oásis no centro do parque nacional. Meu pé esquerdo doía há pelo menos três horas, e o direito começava a reclamar. Não agüentava mais olhar para meu guia, Maciel "Cara de Jaca" Brito, único ser humano visível nos últimos 20 quilômetros e, portanto, responsável exclusivo por minha crescente exaustão.

» Veja mais fotos dos Lençóis Maranhenses

O céu e as dunas formam lindas paisagens nos Lençóis Maranhenses
O céu e as dunas formam lindas paisagens nos Lençóis Maranhenses
Foto: Ernie/Creative Commons / Reprodução

» Chat: tecle sobre o assunto
» vc repórter: mande fotos e notícias

Joguei a mochila na areia, no alto de uma duna. "Chega", determinei, "é hora de um mergulho." Maciel consentiu contrariado, sabia que a noite estava perto. Escolhi uma lagoa com água particularmente transparente, fresca e doce. Dez minutos foram suficientes para diluir tudo que era amargo e cansado em mim. Boiando sob céu azul, recortado por grandes arcos de areia e água, fui resgatado pela voz do guia. Respondi a ele tranqüilo pela primeira vez em muito tempo. Estava bem, pronto para andar mais sete horas, se necessário.

"Isso é imenso demais pra visitar correndo, em um pacote básico de excursão, naquele barulho, naquela bagunça, e com um guia sempre apressando para levar pra próxima lagoa", disse Maciel, enquanto eu me recompunha. Ele descreveu exatamente o que eu senti alguns dias antes quando, acompanhado por um grupo de 20 turistas de todas as idades e origens, tive meu primeiro contato com a imensidão dos Lençóis. Foi um passeio básico, de quatro horas, em uma Toyota 4x4 - daqueles feitos pela maioria das pessoas que visitam a região. Seguimos um guia por lagoas mais populares, muito pisadas e repisadas. Foi interessante, mas a experiência não me pareceu suficiente.

Maciel ainda não havia terminado de falar, teve a paciência de me dar um momento para reflexão antes de prosseguir com sua filosofia: "Essa paisagem é única, muda todo dia com o vento e não tem ninguém aqui para testemunhar. Essas lagoas que a gente está vendo agora, são só para os nossos olhos. Quando passar alguém aqui, se é que vai passar, já será outro lugar. Quando descermos dessa duna, ela vai deixar de existir."

Ponto de partida
Barreirinhas é uma cidade eminentemente turística. Banhada pelo rio Preguiça, tem estrutura de pousadas, hotéis e agências relativamente bem desenvolvida. A maior parte dos passeios pelos Lençóis Maranhenses começa ali, sejam de 4x4, de barco ou a pé. Sua proximidade a áreas nobres do parque e uma estrada que não fica completamente inacessível durante o período de chuva justificam o desenvolvimento mais intenso do turismo ali do que em outras cidades que fazem fronteira com o parque nacional.

As principais estradas que chegam a Barreirinhas vêm de São Luís, pelo oeste, e do Piauí, a leste. No meu caso, vim acompanhando um grupo de cinco turistas europeus e um guia colombiano que conheci em Parnaíba, cidade do litoral piauiense na fronteira com o Maranhão. Pegamos um ônibus até Tutóia e lá embarcamos na 4x4 que sacolejou até Barreirinhas por quatro horas, embaixo d'água, passando por estradas de terra, areia ou uma combinação das duas. No caminho, poucas casas, algumas vacas e roças, até que a primeira duna se definisse claramente. Era uma enorme bola de futebol cortada ao meio, mais murcha aqui do que ali, se impondo sobre os charcos. Dali pra frente, a areia é onipresente.

O centro de Barreirinhas é um polo agregador de gente de todo canto: dólar e euro, artesanato e cigarro, neo e old hippies, mineiros, israelenses e, principalmente, maranhenses. Ao longo do Preguiça, segue a agradável avenida Beira-Rio com seus bancos, deques, restaurantes, barzinhos e baladas.

Na avenida, em uma boate flutuante, tive minha primeira genuína balada de forró depois de cinco meses de mochila no Nordeste. Guitarra, teclado e voz, algo como 30 homens e 30 mulheres se moendo de dançar no salão sobre o rio. Nesse dia, conheci Maciel. Conversamos por muitas cervejas, me contou que nasceu na Queimada dos Britos, um dos dois vilarejos que permaneceram dentro dos Lençóis quando o parque nacional foi criado - o outro é Baixa Grande. Onze casas no primeiro, seis no segundo.

Maciel veio ser guia em Barreirinhas. Não sabe dizer quantas vezes cruzou a pé os 270 km² do parque. Combinamos um preço camarada, negociação extra-agência. Partiríamos no dia seguinte. Saímos de Barreirinhas de barco, seguindo o rio Preguiça até sua foz em Atins. Dormimos no Canto dos Atins, último núcleo permanente no litoral.

Dentro do parque não existem habitações na costa, apenas esparsas barracas de pescadores. Almoçamos em uma no meio do primeiro dia de caminhada, oito horas direto do Canto dos Atins até Queimada dos Britos. É o passeio que abre o texto, uma impressionante seqüência de ondas espontâneas desenhadas por vento, areia e água. Existem outras possibilidades de caminhadas menores, mas fiz questão da mais longa. Queria uma overdose daquele lugar.

É impossível descrever uma linha reta ao andar. Tem-se que acompanhar essas imensas massas d¿água por cima de enormes massas de areia que as circundam sob uma gigantesca massa de ar. Já era noite há meia hora quando alcançamos a entrada do oásis. O local é marcado por um espigão de vegetação que avança sobre a areia a partir do núcleo verde que é Queimada dos Britos. O guia foi preciso mesmo no escuro: circundou lagoas e fomos direto à entrada. A casa mais próxima ao mar é a de Aldo, tio de Maciel, casado com Maria e pai de três crianças. Todos Brito, todos pescadores. Maciel dormiu ali uma noite e partiu, eu fiquei.

Construindo castelos
Fui bem acolhido do começo ao fim, mesmo tendo chegado de noite e sem avisar. A maior rede da sala ficou para mim, dividindo o cômodo com as crianças e com Eduardo, amigo de 55 anos que também mora ali e zela pela casa e pelos pequenos. Aldo sai cedo para pescar, divide a tarefa com dois colegas e retorna no final da tarde com alguns quilos de peixe para limpar e salgar. Maria limpa a casa e cozinha, cuida dos muitos animais e remenda seus filhos, aventureiros das dunas. Com oito, nove e doze anos, são os primeiros a chegar a qualquer lugar e os primeiros a ficar sabendo do que aconteceu.

Foram meus companheiros, guardiões e guias. Durante três ou quatro dias não encontrei ninguém de outra família, ia da casa para as dunas e por lá passava horas. Pelas manhãs, horário de aula, estava sozinho, mas toda tarde era acompanhado pelos três curumins.

Os moradores do vilarejo aprenderam a lidar com turistas. Grupos pequenos e freqüentes chegam à Queimada para passar algum tempo. Praticamente todas as casas aceitam receber visitantes e oferecem estrutura que vai desde o quintal para acampar até quartos individuais. O grande atrativo está na possibilidade de viver por alguns dias com aquela família, compartilhar seus horários, refeições e cotidiano. Comi por cinco dias bolacha água e sal, café, arroz, farinha e peixe, com uma ou outra variação. Desejos de abastecimento e luxo não serão satisfeitos ali. O turismo é uma renda complementar e bem-vinda, não um grande empreendimento que busca retorno. Não espere serviços e pousadas estruturadas, ali tudo acontece devagar e mais simples.

Levou alguns dias para aquela imensidão decantar em mim. À noite, sozinho sob enorme lua cheia, em uma lagoa daquelas - calma, morna, doce - ficou óbvio como o centro dos Lençóis é um dos melhores lugares da Terra para namorar. Fica para a próxima. Para voltar, tive mais dois dias de caminhada com Aldo, quatro horas até o vilarejo de Betânia e mais três até Santo Amaro, para onde minha mochila havia sido despachada desde Barreirinhas. Segui viagem com alma leve e coração carregado de dunas, lagoas e céu. Tenho cá sempre comigo a vista que encontrei em cima da duna mais alta: dezenas de lagoas visíveis em todo canto refletiam a imensidão da lua cheia, tingindo de prata todos os lados da esfera do mundo. Se me esforço, consigo rever esse cenário, como faço agora. Algum dia, ainda acabo de contar todos aqueles pontos de luz prateada.

Caminho das areias
Encontrar guias ao acaso em boates de madrugada talvez não seja a preferência da maior parte dos turistas. Os três dias de caminhada descritos aqui privilegiam o contato humano e minimizam os custos, independentemente de conforto. Foram gastos cerca de R$ 270 nos sete dias que o autor esteve na região dos Lençóis Maranhenses, mas há opções mais confortáveis de passeios:

AGÊNCIAS

Encantes do Nordeste (www.encantesdonordeste.com.br): Organiza passeios de cinco dias, saindo de São Luís, com transporte, hospedagem e guia. O tour passa por Barreirinhas, Atins, Queimada dos Britos e Santo Amaro. Preço para um casal: R$ 1.080. Tel.: (11) 3331-3434 ou (98) 3349-0288.

Hard Tour (www.hardtour.com.br): Faz tours de cinco dias, saindo de São Luís e cruzando o parque de Santo Amaro até Atins, com três dias de pousada na Queimada dos Britos. Inclui transporte, hospedagem, guia e retorno para São Luís. Preço para um casal: R$ 2.350 + R$ 450 de alimentação. Tel.: (85) 3224-9300 e (85) 8800-0741.

Venturas & Aventuras (www.venturas.com.br): Também saindo de São Luís, oferece passeios de sete dias passando por Barreirinhas, Atins, Baixa Grande, Queimada dos Britos, Patacas, Betânia e Santo Amaro. Inclui transporte, hospedagem, alimentação, carregador de bagagem e retorno para São Luís. Preço por pessoa: R$ 3.734. Tel.: (11) 3872-0362.

Dicas
- Não se esqueça de repelente, protetor solar, óculos e chapéu.
- Você terá areia em todos os lugares. Guarde bem seus eletrônicos e se desapegue do resto.
- Redes são incômodas para quem não está acostumado. Leve um colchonete se tiver problemas para dormir.
- Esteja preparado para atravessar trechos de lama e água até o joelho.
- Despachar mochilas de Barreirinhas para Santo Amaro ou São Luís é simples e barato, basta contratar o serviço das empresas de ônibus que fazem o trajeto regularmente. A bagagem ficará no escritório da empresa, a sua espera.
- Leve uma mala de comida para complementar a alimentação durante a viagem. Você encontrará pouquíssima variedade dentro do parque e agradecerá àquela caixa de barras de cereal.
- A areia é fofa e fresca. É possível fazer a travessia caminhando descalço pelo alto das dunas. De todo modo, tenha algum calçado macio por precaução.

Quando ir
Todos os anos os Lençóis Maranhenses passam por um período de seca (de outubro a dezembro), um de chuva (de janeiro a maio) e um de cheia (de junho a outubro). Durante a seca, as lagoas secam completamente e o local realmente se torna um deserto. As cheias são a alta estação: espere encontrar preços mais caros, mais turistas e paisagens exuberantes. Talvez, o final da época das chuvas seja o período ideal para visitar os Lençóis com tranquilidade, mas é preciso disposição para se molhar. Muito.

Hospedagem em Barreirinhas
Porto Preguiças Resort - Tel.: (98) 3349-1912/1220, www.portopreguicas.com.br, e-mail: info@portoproguicas.com.br.

Pousada "El Casaron" - Endereço: Rua Inácio Neves, 110, Centro. Tel.: (98) 3349-1078.

Pousada Arco-Íris. Endereço: Av. Rodoviária, 101, Riacho. Tel.: (98) 9964-4664.

Alimentação em Barreirinhas
Restaurante Rio Preguiças - Endereço: Av. Beira Rio, s/n, Centro. Aceita cheques.

Restaurante Kanto da Praça (Self-Service) - Endereço: Praça do Trabalhador, s/n, Centro. Aceita cheques.

Restaurante Parque Naútico - Endereço: Sítio Cantinho, margem esquerda do Rio Preguiças. Tel.: (98) 3349-1314. Aceita cheques.

Fonte: Especial Especial 
Compartilhar
Publicidade