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Mundo

Terra dos dias de 3 horas: conheça histórias da Groenlândia

Com paisagens estonteantes, repórter da BBC desvenda mitos e costumes locais

23 nov 2015 - 17h47
(atualizado em 24/11/2015 às 08h02)
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Na Groenlândia, megailha dinamarquesa situada perto do litoral norte do Canadá, os dias mais curtos do ano podem ter apenas pouco mais de três horas de sol. O que não significa, porém, que seu longo e escuro inverno não seja muito bonito.

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Na cidade litorânea de Ilulissat, no oeste da ilha, o período mais frio do ano já dá seus sinais. Logo a maior parte da Baía de Disko estará congelada e os homens precisarão dos trenós puxados por cachorros para ir até os locais apropriados e fazer buracos no gelo para pescar peixes e caçar focas.

Enquanto o mar ainda está semicongelado, icebergs gigantescos passam e são chamados, pelos locais, de "siku", que no idioma local significa gelo, e "qaqaq", que significa montanhoso. São os maiores objetos flutuando no Hemisfério Norte.

Passar de barco entre eles permite observar uma paisagem tão complexa como uma floresta. Alguns parecem feitos de pele, outros parecem cremosos. Alguns são azuis, como um detergente muito forte.

O gelo nessas latitudes pode ser azul, branco, preto ou brilhante como um diamante.

Um iceberg pode ter um ano de idade ou até 250 mil, ter a forma de um recife de coral ou de um cogumelo. Existem icebergs que parecem fortalezas, com muralhas e torres, ilhas inteiras com a textura de pérolas, muito maiores embaixo d'água, estendendo-se nas profundidades do mar.

Quando o grande explorador norueguês Fridtjof Nansen escreveu sobre sua expedição pioneira, que cruzou a Groenlândia em 1888, relatou que esses blocos magníficos de gelo o faziam pensar em contos de fadas e na infância. Mas também na morte.

Melancolia

A melancolia é parte intrínseca desta paisagem. Perto da calota polar, na remota geleira Eqi, é possível encontrar a cabana do acampamento base construído pela expedição polar francesa de 1948.

Melancolia é parte intrínseca da paisagem local
Melancolia é parte intrínseca da paisagem local
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

As paredes ainda exibem os grafites originais. "Oh, sou um fardo inútil" é um deles. "Aqui. No meio do gelo. 1949" é outro.

Do lado de fora a geleira perde gelo e faz barulho, um som desconcertante e contínuo. Explosões distantes, como dinamite ou o disparo de armas de um exército que se aproxima.

O céu finalmente se tinge de púrpura e a noite chega.

"Vocês não ficam deprimidos?", pergunta a reportagem da BBC aos moradores.

Também existe uma palavra no idioma local para isso: "perlerorneq", que significa "o fardo".

"O sol é chato", responde a jovem Nikolena. Ela adora o inverno e faz maratonas de filmes de terror que chegam a dez horas, nas quais convida os vizinhos, também adolescentes.

Eles também gostam de se reunir para contar histórias sobre os "Qivitoq", humanos que foram expulsos das aldeias e, vivendo na vastidão da natureza local movidos pela fúria e desespero, aprenderam a se transformar em animais.

Nikolena conta que uma vez viu um velho parado em meio às renas. De repente ele saltou, mas na forma de uma lebre-do-ártico.

Pergunto a Fari, um pescador de 29 anos, se eles temem os "Qivitoq". Ele faz um sinal negativo com a cabeça e aponta para Malesornia, seu cão favorito, de raça misturada com lobos e meio selvagem.

No ano passado, quando o trenó de Fari caiu no gelo, longe de casa, Malesornia o puxou para fora do buraco. E então, ensopado, atordoado e durante oito horas no escuro, o pescador jogou suas linhas para pescar o peixe conhecido como alabote.

'Tanto barulho'

Para os groenlandeses, os europeus fazem muito drama.

"Falam tanto, me dão bronca, tanto barulho!", diz Fari.

O idioma local também evita complicações. Os números vão apenas até 12 e, depois disso, tudo é designado como "muito".

Pescadores não se importam com as condições climáticas extremas
Pescadores não se importam com as condições climáticas extremas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Qual a coisa mais estranha que você já viu em um buraco no gelo", pergunta a BBC a Fari, esperando que fale sobre o narval, baleia com longa presa em espiral – os vikings acreditavam tratar-se de um unicórnio preso no estômago do animal.

Fari pensa por um tempo – a seus pés estão várias barbatanas de focas. "Um homem. Um homem congelado. Ele deve ter caído de um barco de pesca", enfim responde.

O pescador encolhe os ombros. Para ele, esse episódio foi uma demonstração de equilíbrio e justiça: você caça, toma vidas e um dia você pode acabar dando a própria vida em troca.

Por isso, Fari diz ter deixado o homem onde o viu, sem olhar para trás, e conduziu seu trenó para outro lugar, ao norte da grande geleira, pensando em nada além da pescaria, Malesornia e a longa noite polar.

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