PUBLICIDADE

Empresário que "largou tudo" para velejar conta sua próxima aventura

28 fev 2013 - 10h00
(atualizado às 11h36)
Compartilhar
Exibir comentários

Ao chegar à idade de prestar vestibular, o velejador Beto Pandiani se deparou, ao mesmo tempo, com uma dúvida e com uma convicção: não sabia o que queria estudar; mas tinha certeza que queria viajar.

Ele bem que tentou seguir um caminho profissional tradicional, mas, depois de cursar Administração e atuar por anos como empresário, resolveu assumir a vela, paixão herdada do pai, como atividade principal. O catamarã, seu fiel escudeiro, o levou para praias desconhecidas, tribos indígenas, geleiras.

Nas sete expedições que já fez até hoje, sempre esteve 100% integrado com a natureza, tanto para o bem, quanto para o mal. Ver a transformação das cores do céu ao longo do dia, por um lado, trouxeram registros inesquecíveis, mas enfrentar as alterações de humor do mar, por outro lado, também exigiu força física e, sobretudo, mental.

As adversidades de se viajar a bordo de um barco sem cabine, no entanto, são recompensadas a cada chegada. “Tenho a sensação que cada viagem que eu faço equivale a algumas vidas, porque é tão denso que parece que se eu tivesse que viver só aqui em São Paulo nessa vida urbana, demoraria 200 anos para viver o que eu vivo em alguns meses”, conta, se desculpando por dizer isso a uma pessoa que vive as alegrias e tristezas de se viver em São Paulo.

Beto se prepara para embarcar, no próximo dia 10 de março, na Travessia do Atlântico. Ele vai partir da Cidade do Cabo, na África do Sul, e chegar a Ilhabela, junto com o parceiro Igor Bely. Serão 26 dias de viagem, só que, dessa vez, com uma característica diferente das viagens anteriores. Ele não fará nenhuma escala.

<p>Em 1994, Beto conheceu os Yanomamis na Floresta Amazônica</p>
Em 1994, Beto conheceu os Yanomamis na Floresta Amazônica
Foto: Flickr/Beto Pandiani / Reprodução

Na bagagem, comida desidratada, tecnologia para relatar as experiências em tempo real e muita coragem. Outra novidade desta expedição é a participação coletiva por meio do crowdfunding, um conceito de arrecadação financeira por pessoas interessadas em incentivar a aventura.

Usando suas redes sociais e contatos, ele conseguiu superar o valor ainda não coberto por uma única cota de patrocínio, que era de R$ 150 mil, chegando a R$ 166 mil. “Recebo muitas manifestações, me dizendo que o que eu vou fazer é importante, que alguém tem que realizar o que sonha. Fico surpreso com essa resposta generosa”, afirma.

A primeira expedição aconteceu em 1994, batizada de Entre Trópicos, quando viajou por 289 dias, no trajeto de Miami a Ilhabela. No ano de 2000, realizou a Rota Austral, do Chile até a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, em um total de 170 dias. Em 2003, passou 45 dias na Travessia do Drake, partindo de Ushuaia e cruzando a passagem entre a América do Sul e a Antártica.

No ano seguinte, levou o segundo lugar na regata Atlantic 1000, em um trajeto que ia Flórida até Nova York. Já em 2005, encarou a Rota Boreal, com três meses de viagem de Nova York até Sisimiut, na Groenlândia. Em 2008, cruzou o Pacifico, do Chile à Austrália. Mal saiu para próxima empreitada, já tem em mente a viagem que fará em 2014. “Vancouver – Groelândia, por cima da calota polar, pelo Ártico. Vai ser a mais longa e ousada de todas. Quero fazer um filme sobre aquecimento global”, planeja. Veja os principais trechos da conversa exclusiva com o Terra.

Terra: Na sua próxima viagem, Travessia do Atlântico, você percorrerá quantos quilômetros e em quanto tempo?

Beto Pandiani:

Serão quase 8 mil quilômetros no total, em 26 dias.

Terra: Quais são as principais dificuldades que você espera para esta viagem?

B.P.:

Essa é a minha sétima viagem, mas a primeira que não tem escalas. Vai ser puramente navegação em mar aberto. Ficar todo esse tempo num barco aberto é algo bastante desafiador, normalmente quem viaja em barco a vela é com cabine, grande.

Terra: Quais são as principais diferenças deste tipo de embarcação, maior, para o que você costuma usar?

B.P.: A diferença é que nosso barco entra nas praias. Um veleiro grande veleja longe e isso para nos é um grande diferencial, porque exploramos de um jeito muito diferente. Vamos em praias que muita gente nem chegou. Além disso, tem a interação com a natureza o tempo todo: se choveu, choveu; se nevou, nevou. Vemos as estrelas, o sol, a lua, a nuvem, sentimos o vento e a maresia, tudo muito intenso.

<p>Beto Pandiani diz que tem a sensação de que cada viagem equivale a algumas vidas</p>
Beto Pandiani diz que tem a sensação de que cada viagem equivale a algumas vidas
Foto: Flickr/Beto Pandiani / Reprodução
Terra: Outro diferencial desta viagem foi a questão do crowdfunding. Como foi este processo?

B.P.:

Temos vários patrocinadores, mas dessa vez faltava uma cota de apoio. Viabilizamos essa cota através da parceria com um site de crowndfunding. Foi super bem, ultrapassamos o valor esperado, foi uma surpresa. As redes sociais também ajudaram muito. E o crowndfunding é uma prática que existe há muitos anos, mesmo antes de Internet. Antigamente as pessoas viajavam com doação da comunidade. Eu passei por vários lugares onde as pessoas me perguntavam como faziam para doar.

Terra: Qual foi a importância da rede neste sentido?

B.P.: Já venho escrevendo há muito tempo no Facebook e no Twitter a respeito das viagens. Tenho 11 mil seguidores e meu perfil é bastante comentado. Falo das viagens, do barco novo, do que eu queria realizar. E a contrapartida é muito importante: as pessoas que estão inscritas e que doaram alguma coisa estão tendo algo em troca, uma velejada, um livro, uma camiseta. Todo mundo que doou também vai ter o nome escrito na parte interna do casco, essa é uma maneira simbólica de as pessoas viajarem conosco.

Terra: Então a maioria dos doadores é pessoa física?

B.P.:

Sim, pessoas físicas. E o tema das conversas não é vela, e sim, viagem.

Terra: E o que você acha que motiva estas pessoas a se envolverem com a viagem, inclusive financeiramente?

B.P.:

Acho que de alguma forma a pessoa sente que participa da viagem. Acho que mexe com algo que elas gostariam de estar fazendo e não fizeram por diversas razões. Aquela coisa de “eu não fiz, mas estes caras vão fazer”.  Eu ouço isso de muita gente, até de patrocinadores. Recebo muitas manifestações, me dizendo que o que eu vou fazer é importante, que alguém tem que realizar o que sonha. Fico surpreso com essa resposta generosa, tenho gratidão por estar recebendo isso.

Terra: Antes de você se dedicar completamente para isso, você também tinha essa sensação com as pessoas que investiam em um sonho?

B.P.:

Eu sonhava em ser o protagonista da minha viagem, mas ainda era distante da minha vida. E antigamente era difícil conectar alguém. Você lia um livro de um cara que foi pra Antártica e aquela fantasia ficava por anos na sua cabeça.

Terra: Como surgiu a ideia da Travessia do Atlântico?

B.P.:

Depois que atravessei o Pacífico, fiquei pensando se atravessar o Índico e o Atlântico, para concluir a volta ao mundo. Quando voltei, eu tinha que dar um tempo e escrever o livro, lançar um livro de fotografias, fazer exposições, porque não adianta viajar e não documentar. Depois de dois anos, pensei vou voltar para o mar, aí deu vontade de cruzar o Atlântico e chegar no Brasil.

<p>O velejador já tem planos para 2014: quer fazer um filme sobre aquecimento global</p>
O velejador já tem planos para 2014: quer fazer um filme sobre aquecimento global
Foto: Reprodução
Terra: E quanto tempo durou o planejamento para essa viagem?

B.P.: Um ano e meio. As coisas vão andando em paralelo. Vender a viagem é muito difícil, tem que bater na porta de muita empresa. Depois, temos que construir um barco, com tudo que um barco grande tem: telefonia, internet, GPS, rádios, computadores. Um dos nossos patrocinadores desenvolveu para a gente um notebook à prova d’água, que hoje está no mercado.

Terra: A cada viagem a embarcação sofre muitas alterações?

B.P.:

O barco vai ficando mais moderno. O dessa viagem é todo de carbono, mais leve, mais rápido, o tecido das velas também evoluiu.

Terra: E com relação à agua e alimentação?

B.P.:

Não temos espaço para levar água, então levamos um dessalinizador manual, para preparar a água do mar. Demora uma hora e meia para fazer quatro litros de água, e com muita força, porque é uma bomba manual.

Os alimentos são liofilizados, um sistema de comida desidratada por um processo diferente. O alimento é congelado e tem toda a água retirada por um sistema à vácuo, porque a água representa 70% do peso da comida. Quando você reidrata, ele volta à consistência original. A comida é bastante tecnológica e gostosa.

Terra: É gostosa mesmo? Qual seu prato preferido?

B.P.:

É bem saboroso e além de tudo é uma comida balanceada, tem as calorias certas que você precisa. É produzido nos EUA e Europa, mas variamos o fornecedor para variar o sabor. Meu prato preferido é um prato de bacalhau norueguês que eu adoro.

Terra: Alguma vez faltou comida?

B.P.:

Sempre levamos um consumo bem maior

,

para não faltar.

Terra: Quantas refeições você faz por dia?

B.P.:

Faço quatro refeições: café, almoço, jantar e lanche, fora os aperitivos.

Terra: Leva algo fresco?

B.P.:

Sim, algumas frutas. Maçã por exemplo dura uns dez dias, levamos também

barra de cereal, presunto cru, salame.  

Terra: Você mantém rotina de exercícios?

B.P.:

Sim, faço academia e velejo em Ilhabela aos fins de semana.

Terra: O acompanhamento nutricional é constante? Você tem um número certo de calorias a serem consumidos por dia?

B.P.:

Sim, mas para essa viagem não estou com acompanhamento, pois já aprendi e sei o que devo comer. E depende do lugar, na Antártica, por exemplo, que é mais frio, eu tinha que comer 6 mil calorias. Para essa agora são 2.500.

<p>Beto se prepara para nova aventura, da Cidade do Cabo até Ilhabela</p>
Beto se prepara para nova aventura, da Cidade do Cabo até Ilhabela
Foto: Flickr/Beto Pandiani / Reprodução

Terra: Quando você sai para uma expedição, sai com a consciência de que pode não voltar?

B.P.:

Eu não penso nisso não. Porque na verdade essa possibilidade existe para todo mundo, a gente não sabe o dia de amanhã. Nunca tive uma situação de morte nem nada disso.

Terra: Independente da expedição, quais são os maiores riscos que você corre em alto mar?

B.P.:

O maior risco é cair no mar à noite, mas para isso a gente veleja amarrado, com cinto de segurança. Também tem a questão do cansaço físico, porque velejar é um exercício de performance.

Terra: Como você dorme no barco?

B.P.:

Em um saco de dormir, dentro de uma cabaninha.

Terra: Quais foram os momentos mais tensos que você já enfrentou?

B.P.:

Tempestade na Antártica, mau tempo no norte do Canadá e no sul do Brasil, ventos fortes. O nosso barco é muito pequeno, então o vento forte depende muito da nossa força menta mental.

Terra: Como você controla isso?

B.P.:

É preciso ter proposito, de não se apavorar, se manter calma. Eu sou de índole calma. Mas a cada viagem você vai aprendendo os limites do corpo, do barco, e a tomar decisões.

Terra: Quando você chega no destino, ou faz uma escala, qual é a sua interação turística com o local?

B.P.: O turismo não é bem como as pessoas estão acostumadas. Nós interagimos muito com as pessoas, porque nossa condição chama muito a atenção de todo mundo, o barco é nosso embaixador. Quando a gente chega, as pessoas querem que a gente durma na casa delas, jante. A gente sempre descola um jantar, meio aquela coisa “vagabundo do mar” (risos). É uma delicia do ponto de vista de ser bem recebido, ter facilidades, conhecer as pessoas de um jeito diferente. Se tem índio você vai dormir na tribo, se tem esquimó, vai dormir com esquimó.

Terra: Qual foi a experiência mais impactante neste sentido?

B.P.:

Foi dormir com os Yanomamis na Floresta Amazônica, na minha primeira viagem. Entramos pela floresta na Venezuela e fomos sair em Belém, viajando por 75 dias por meio da floresta, em rios, em um barco totalmente insólito. Imagina um índio que quase nunca viu gente, ver um barco esquisito daquele. Parecia um filme.   

Terra: E qual foi a paisagem mais bonita que você já viu?

B.P.:

Acho que o astral da Antártica, o clima, é impressionante. Pelo fato de ser um continente que não pertence a ninguém, não tem pessoas morando. A natureza é muito forte.

Terra: Quando começou sua paixão pela vela?

B.P.:

Pelo meu pai, que era velejador. Ele foi velejador na Itália. Aprendi a velejar sozinho depois que ele faleceu, mas ficou na cabeça aquela imagem do pai velejador. Isso foi um estímulo que eu busquei. Eu tinha uns 22 anos.

Terra: O interesse por viajar e por desbravar lugares desconhecidos e inóspitos começou como?

B.P.:

Sempre gostei de viajar. Eu sonhava em ser um viajante, não sabia nem o que estudar, olhava as profissões na época, para fazer vestibular, mas não sabia o que escolhia porque queria viajar (risos). Eu era assim: se eu fosse para Campos do Jordão, ia querer subir uma montanha, ou acampar. Algo fora do padrão.

Terra: Quando você não está em expedição, como é a sua vida?

B.P.:

Minha vida profissional gira em torno das palestras, mas velejo sempre no fim de semana quando consigo. Também leio, sonho, pesquiso as viagens que estão acontecendo pelo mundo. E ler faz parte disso. Minha vida pessoal e a profissional são coisas que já não têm mais separação.

Terra: Quem são as pessoas que te inspiram nessa área?

B.P.:

Admiro amigos, ou outros que não conheço. Entre os velejadores brasileiros,

Torben Grael, Robert Scheidt, Lars Grael, Amyr Klink.

Terra: Quando não está em alto mar, gosta de fazer viagens “normais”?

B.P.:

Sim! Gosto muito de viajar para a montanha, adoro mato. Gosto sempre de mudar, não gosto de repetir muito.

Terra: Já tem em mente qual será o próximo destino?

B.P.:

Sim, Vancouver – Groelândia, por cima da calota polar, pelo Ártico. Vai ser em 2014. Vai ser a mais longa e ousada de todas, a mais difícil, mais bonita. Quero fazer um filme sobre aquecimento global, justamente onde está aquecendo e virando água. Quero jogar o “Picolé” [nome do barco, batizado pelo próprio] no Ártico e ver o que está acontecendo. Já temos roteiro, produtora e custos. Quando eu voltar de viagem, vamos começar a captar.

Terra: Qual foi a experiência mais marcante que viveu viajando?

B.P.:

Eu não saberia dizer porque foram tantas. Mas a chegada é sempre um momento maravilhoso, a concretização da viagem. Tudo que pensei, tudo que todo mundo ajudou, deu certo. E agora posso sonhar com outra coisa e fica registrada aquela experiência maravilhosa. Tenho a sensação que cada viagem que eu faço equivale a algumas vidas, porque é tão denso que parece que se eu tivesse que viver só aqui em São Paulo nessa vida urbana, demoraria 200 anos para viver o que eu vivo em alguns meses (risos). Não vai ficar chateada, né? (risos)

Fonte: Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade